Cadilhe, ex-ministro de Cavaco, é o único a favor. Mas ex-governantes também admitem que a actual situação do país pode obrigar governo a aceitar regra imposta de fora.
A ideia partiu de Angela Merkel e Nicolas Sarkozy, desejosos de ver os parceiros da zona euro munidos de um travão constitucional ao défice público. O i ouviu ex- -ministros das Finanças e é esmagadora a crítica à ideia. Medina Carreira, Miguel Beleza e Silva Lopes rejeitam que este seja o remédio santo para a maleita das dívidas públicas e consideram-na mais uma regra condenada, ainda que admitam que a voz da Europa possa ser mais forte e obrigar Portugal a adoptar a medida. Dos ex- -governantes que foi possível contactar, só Miguel Cadilhe, ex-ministro de Cavaco, é a favor, discordando do agora Presidente da República.
Medina Carreira lembra que Portugal já teve "no PEC um limite de 3% do PIB para o défice orçamental que não cumpriu, já teve um limite à dívida pública de 60% do PIB que não cumpriu", para logo depois concluir que se "quer mais uma vez enganar o mercado, que já nos conhece de ginjeira".
A questão vai na mala que Passos Coelho levará no seu périplo pela Europa e que começa já amanhã (ver caixa). Para além do plano de reformas estruturais e de ajustamento económico em Portugal, o limite do défice na Constituição está na agenda, pois é um tema em debate na Europa e, por isso mesmo, "poderá ser abordado" por Passos Coelho nas reuniões que terá, afirma ao i fonte do gabinete do primeiro-ministro.
A proposta franco-alemã já tinha desagradado a Cavaco Silva, a ponto de ter levado o Presidente a manifestar-se contra aquilo que considerou um sinal de "uma enorme desconfiança dos decisores políticos em relação à sua própria capacidade de conduzir políticas orçamentais correctas." Mas Miguel Cadilhe, que foi o ministro das Finanças de Cavaco Silva entre 1985 e 1990, defende com unhas e dentes a inclusão na Constituição de um travão ao défice. Cadilhe discorda do Presidente e lembra que em 2005 foi dos primeiros a defender esta ideia. "Tanto a despesa pública como o défice devem ser limitadas pela Constituição", diz ao i.
Portugal forçado A oposição do chefe de Estado à ideia, merece o apoio de Silva Lopes, ministro das Finanças nos governos de Nobre da Costa. Ainda assim, o economista ressalva que Portugal pode vir a ser obrigado pela França e Alemanha a adoptar este limite: "Pode acontecer sermos obrigados a aceitar tal medida para manter o auxílio da Europa". Mas Silva Lopes também diz que "esta não é a melhor medida" e lembra que o país "também tinha limites no Tratado de Maastricht e não cumpriu". Ao i, o economista acrescenta ainda que considera a medida demasiado rígida, apesar de ser defensor de rigor nas finanças públicas: "Nalgumas situações é indispensável uma margem de elasticidade".
Miguel Beleza denuncia o risco de inscrever na Constituição "uma regra inócua" e lembra que "o parlamento tem todos os poderes para controlar o défice". Mas o economista também admite que o modelo a adoptar em Espanha ver texto ao lado) poderia ser aceite porque é no fundo "uma fórmula aberta, inteligente". Já Medina Carreira considera que uma medida como esta "não servirá de nada", reconhecendo, no entanto, que "na situação em que o país se encontra" nem valem a pena ilusões: "Eles é que nos dão os euros e teremos que fazer aquilo que exigirem. Andámos embalados em conversa fiada e agora estamos nesta vergonha, sem voz na matéria".
De que lado está Passos? O primeiro- -ministro ainda não disse qual é a sua posição, mas Paulo Portas já. O ministro dos Negócios Estrangeiros disse que o governo está disponível para inscrever na Constituição, desde que a proposta apareça no parlamento. Na Assembleia da República exigem-se dois terços para aprovar uma alteração constitucional, ou seja, um acordo entre as duas maiores bancadas. No PSD a proposta até podia aparecer (há abertura), mas ainda nada se sabe sobre o que pensa o líder socialista António José Seguro.
Entre os sociais-democratas, enquanto Passos não fala ninguém se compromete. A adopção de regras que limitem constitucionalmente o endividamento é defendida por Hugo Velosa, mas com a ressalva desta ser uma opinião pessoal. O deputado entende que "os estados comunitários deveriam adoptar tais limites nas suas constituições ou regras orgânicas" e que "é nesse sentido que se vai avançar, de forma concertada, a nível europeu".
Duarte Pacheco, também do PSD, não descarta as vantagens de impor um tecto ao défice público, e sugere que "muitos no PSD são sensíveis à ideia". Pacheco considera que o assunto merece reflexão e acrescenta que o apoio já formulado por Luís Amado permite acreditar que no PS haja disponibilidade para debater algo que está ligado ao "processo de aprofundamento da integração europeia".
"Portugal é um país soberano e não pode ser obrigado a isto", protesta João Galamba, do PS, para quem esta medida "não vem resolver nenhum dos problemas aos quais a Europa se encontra confrontada". E Eduardo Cabrita, outro socialista, também rejeita a ideia: "É tão absurda como seria proibir a temperatura acima de 30 graus." E acrescenta que a norma espanhola vai estar em vigor a partir de 2020 e "ninguém sabe sequer se o euro ainda existirá nessa altura". Nota também que a situação do país vizinho é diferente, pois "em Espanha a maior fatia da despesa pública é feita pelos poderes locais", ora em Portugal "os municípios têm tido, com excepção de 2009, saldos positivos". "Os mercados estão mais preocupados com o imediato que com uma norma que vigorará dentro de dez anos", sublinha.